terça-feira, 14 de março de 2017

Falando sobre a saudade

Há exatamente um mês atrás eu estava aqui mesmo na Faculdade onde sou tutora. Conversava com alguns alunos sobre a Teoria da Contabilidade e entre indas e vindas, falávamos sobre família. Meu telefone tocou. Do outro lado uma amiga anunciava a chegada de sua filha tão esperada. Eu vibrei e me emocionei, afinal, como é bom quando a vida chega ao mundo. Ela traz paz, esperança, perdão, amolece nossos corações e minimiza os conflitos nas relações. Prometi que iria visita-la dois dias depois.. Desliguei o telefone ansiosa.
Não, eu ainda não sou mãe, então não tenho propriedade para falar sobre isso. Mas em contrapartida eu sei o que é ser filha, e filha (me perdoe o trocadilho) de uma boa mãe.. a melhor de todas.. a minha vavai. A mãe que orava todos as madrugadas por mim, meu irmão e os centenas de "filhos ocultos". A mãe que mentia sobre comer angu pra ficar forte, quando não se tinha nada pra comer. A mãe que respondia sempre às intempéries da vida (não importavam quais fossem) com a mesma resposta: Vai melhorar filha... Você ja orou?
Lembro-me que nesse dia eu senti saudades dela como nunca antes. Liguei na hora do café.. demorou um pouco e ela atendeu sorridente (pela voz eu sabia que estava sorrindo): Oi Michelle! Sabia que era você filha! Demorei porque os cachorros estavam no meio do caminho... Terminei a ligação dizendo: Mãe, amanha vou ai pra gente tomar café juntas... e ela assentiu e desligou. Fiquei com vontade de dizer que amava.. Mas queria muito fazer isso durante um abraço no dia seguinte..
Dia 15/02.. o telefone toca as 01:30 da manhã. Fiz o melhor que pude.. meu marido correu o maximo que conseguiu naquela Br deserta. Mas quando eu cheguei ela já havia me deixado.. nos deixado... Não deu tempo de dar o abraço e dizer que amava.. Não comemos o pão de queijo.. Não fomos a caldas novas... Eu fiquei órfã. Mas não uma órfã qualquer! Fiquei órfa de Vavai.. Igreja, amigos, familia, irmaos.. todos nós ficamos como crianças perdidas quando a morte resolveu dar a minha mae o seu abraço de eternidade. Ela foi como merecia: como um passaro, com o espirito livre.. sem dor, sem hospital. O coração parou aqui neste plano tão rápido que, creio eu, começou a bater na gloria instantaneamente.
E o que dizer dessa palavra que só existe no português e mesmo com sua exclusividade não consegue exprimir o que sinto?
Ahh que saudades.. Saudades porque tudo o que fiz até hoje tinha seu toque, sua aprovação, suas lagrimas.
Saudades do dia em que  a levei na PUC para fazer matricula e tambem no dia em que ela foi assistir minha monografia (mesmo sem entender nada, eu via suas lagrimas rolando por baixo do oculos embaçados)...Saudades dos pasteis depois do dentista, do pão com caldinho de frango, do "doutorzinho" com fralda quente pra limpar o peito cheio..Saudades de quando ela me levava na escola e eu tinha vergonha porque eu era a unica da escola que a mãe ainda levava. Saudades do meu casamento quando, deixei todo mundo de lado, encontrei com ela no meio do salao e disse: Mae, eu estou casando, mas eu nunca vou deixar você.
E o que dizer da morte? Não, ela não é como o nascimento.
ela traz reflexão, vazio, dor... mas não sejamos injustos. Não é so de coisas ruins que vive a morte (rs)... ela traz também gratidão.. traz perdão.. faz a gente ver o que realmente importa....faz a gente ressignificar (ou pelo menos tentar).
A morte tambem aumenta o amor que não mais se pode ter aqui nesta terra... E faz a gente ansiar por encontrar logo o outro lugar de onde viemos.
A morte é um até logo... Porque eu sei que um dia ainda vou encontra-la para um café em sua mansão de frente para a arvore de 12 frutos.
"Viver é muito perigoso... Porque aprender a viver é que é o viver mesmo... Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e abaixa... O mais difí­cil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra." Guimaraes Rosa